Quando a gente fala sobre medo, constantemente a palavra “inexplicável” surge na conversa, dando ênfase a dimensão do medo em questão. Diante desse medo inexplicável, seja ele qual for, o nosso corpo instintivamente dá sinais: o coração acelera, a temperatura da mão desce a níveis siberianos e a respiração parece fazer questão de desobedecer o seu ritmo natural. É fácil um borrão se formar na nossa mente e impedir que a gente pense claramente e enxergue o medo como ele realmente é.
Eu não nasci com os medos que tenho. Honestamente, acredito que ninguém nasce com medo. Acredito que eles são frutos das experiências que vamos vivendo ao longo do caminho. Por exemplo, eu lembro muito bem da infecção intestinal que eu tive quando tinha cinco anos. Precisei tomar injeção de manhã e de noite por mais de dez dias até ficar bom. Lembro também da primeira vez que usei aparelho e, em um determinado momento do tratamento, precisei arrancar dois dentes. Veja bem, eu já tinha medo de agulha. Quando vi a anestesia na mesinha eu já me desesperei. Chorei e gritei tanto que a dentista deixou para arrancar o segundo outro dia.
Quando o dia de arrancar o segundo dia chegou. E, como era de se esperar, eu estava me desfazendo em lágrimas. Andava enquanto chorava, tomava banho e deixava as minhas lágrimas se misturarem às gotas do chuveiro e via minhas lágrimas pingando no prato enquanto eu almoçava antes da consulta. Sabia que era inevitável e que não adiantava, mas ao mesmo tempo não conseguia conter. O tal borrão tinha se formado e eu me enxergava tão pequeno que só cabia em mim o medo. Um pouco antes de me levar para a consulta, tentando me acalmar e com certeza já não aguentando mais me ver daquele jeito, meu pai falou: “fecha os olhos pra não ver a agulha e tenta respirar se concentrando no que você realmente está sentindo. Vai ser uma picadinha mais leve que a de uma formiga pinga fogo e depois passa”. Essa comparação começou a me fazer entender melhor o tamanho do meu medo e talvez ali, naquele momento, ele tenha ficado só um pouco maior do que uma formiga.
Em uma das minhas cadeiras favoritas do design de moda, a de processos de criação, um dos exercícios era o Baú dos Medos. Com apoio na imaginação e contando com nossa capacidade de nos mostrar vulneráveis, a professora posicionava um baú bem na frente da sala e convidava cada aluno para falar sobre os seus medos. A ideia é que você jogasse ali tudo o que queria se livrar. Quando chegou minha vez, sem hesitar, quis me livrar dos meus medos de agulhas e de dentistas. Ainda que eu saiba a origem de ambos, que já consiga fazer um exame de sangue sozinho e ir realizar um procedimento odontológico sem me tremer (tanto), me livrar completamente deles não seria ruim.
Mas um dos meus medos eu não joguei no baú. Em um relacionamento que eu tive, eu acabei perdendo o equilíbrio que precisa existir entre o eu e o outro, e me perdi. Não foi algo imposto. Ele nunca me pediu isso. Eu que montei todo um personagem com escolhas baseadas no que eu acreditava que ele iria querer, e escolhas em todos os sentidos, dos livros que eu lia, as roupas que eu vestia e até cogitar fazer uma outra graduação para o acompanhar nos estudos de um concurso público, com temas que eu nem conhecia e pouco me interessava. Atualmente eu entendo que aquilo tudo veio muito de uma inexperiência em relacionamentos somado a uma vontade jovial de querer agradar, e também ao medo de perder o que eu achava que estava construindo.
Aprendi e cresci muito com esse relacionamento. Durou três anos e acima de tudo foi ma-ra-vi-lho-so. Mas no final, eu me dei conta do quão longe eu estava e, pra voltar, acabei perdendo ele no caminho. Desde então, eu tenho medo de me perder. Mas esse é um medo que me mantém vigilante, que me fez definir bons limites nas minhas relações e ganhar segurança em quem eu sou e no que eu estou disposto a negociar, mas também entender o que eu não abro mão. Esse medo eu carrego comigo. Não preciso olhar nos olhos dele o tempo todo, mas deixo ele ali num cantinho que vira e mexe eu o encontro. Sei o seu tamanho, sei também que ele já me ajudou e me ajuda em muitos momentos, e aprendi com minha analista que em outros eu só preciso deixar ele ir.
Tá tudo bem você querer se livrar de alguns medos. Os que são ditos inexplicáveis carregam em si uma proporção que não os pertence. Mas outros, na medida certa, a gente deixa. Talvez seja esse medo que sustenta todo o monumento que nos forma.
Outras Fendas por ai:
👑 Nossa Vencedora do Oscar, com toda sua elegância e discrição;
👁️ Esse vídeo curtinho e hipnotizante. Digno do “Quantas vezes você viu?" “Sim”
🎧 Eusexua, lançado na última sexta, e que desde então me deixou obcecado. Falo sobre ele 80% do meu tempo. Os outros 20% eu torço para que alguém fale minimamente de música para falar novamente sobre ele.
Não tenha medo, eu estou aqui sempre❤️